sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NATAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


“No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria” _ Lc 1, 26-27. 

O anúncio do nascimento de Jesus está ligado à história de João Batista, antes de tudo,  cronologicamente por meio da indicação do tempo decorrido depois da mensagem do arcanjo Gabriel a Zacarias, isto é, “no sexto mês” da gravidez de Isabel. Mas, nessa passagem, os dois acontecimentos e ambas as missões estão ligados  também a informação  de que Maria e Isabel – e, consequentemente, os seus  filhos – são parentes.
A visita de Maria a Isabel, que deriva como consequência do diálogo entre Gabriel e Maria – cf  Lc 1, 36, leva  - ainda antes do nascimento – a um encontro, no Espírito Santo, entre Jesus  e João, e nesse encontro torna-se evidente, ao mesmo tempo, a correlação das suas missões: Jesus é o mais jovem, Aquele que vem depois; mas é a proximidade d’Ele que faz João saltar  de alegria no ventre materno e cumula Isabel do Espírito Santo – cf Lc 1, 41. 
Assim, aparece objetivamente, já nas narrativas de São Lucas sobre o anúncio e o nascimento, aquilo que João Batista dirá, segundo o Evangelho de João: “É aquele de quem eu disse:  ‘Depois de mim, vem um homem que passou adiante de mim, porque existia antes de mim’” – Lc 1,30.

Na saudação do anjo, impressiona o fato de não dirigir a Maria a habitual saudação judaica shalom – a paz esteja contigo -, mas a expressão “AVE”, como sucede na oração mariana da Igreja – cf Lc 1, 28.42. khaire, Ave: Alegra-te! Com esse voto do anjo – podemos dizer -, começa propriamente o Novo Testamento.
A palavra volta a aparecer na Noite Santa, nos lábios do anjo que diz aos pastores: “Eis que vos anuncio uma grande alegria” – Lc 2,10. Aparece, em João, por ocasião do encontro com o Ressuscitado: “Os discípulos, então, ficaram cheios de alegria por verem o Senhor” – Lc 2, 20,20. Nos discursos de despedida, em João, aparece uma teologia da alegria, que esclarece, por assim dizer, as profundezas da palavra AVE: “ Eu vos verei de novo e o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria” – Lc   16,22.
Nestes textos,  a alegria aparece como o dom próprio do Espírito Santo, como o verdadeiro dom do Redentor. Assim, com a saudação do anjo, sente-se ecoar o acorde  que atravessará o tempo da Igreja e que desembocará na totalidade do anúncio cristão: o Evangelho – a Boa Nova.
“Alegra-te”: nessa palavra do  anjo, abre-se imediatamente  a porta para os povos do mundo. Também vamos encontra-la no A. T. onde se situa plenamente na continuidade  da história da salvação. Na saudação do anjo a Maria, é retomada e atualizada a profecia de Sofonias 3, 14-17, que soa assim: “Rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria, Israel! (...) O Senhor, o teu Deus, está no meio de ti”.
A filha de Sião pode exultar, porque “o Senhor está no meio de ti” – Sf 3, 15.17, ou seja, “está no teu seio”.  Desse modo, Sofonias retoma palavras do Livro do Êxodo, que descrevem a habitação de Deus na arca da aliança como um habitar “no seio de Israel” _ cf Ex 33, 3; 34,9.  É precisamente essa palavra que aparece na mensagem de Gabriel a Maria: “Eis que conceberás no teu seio” – Lc 1, 31. Maria aparece como a filha de Sião em pessoa. As promessas que dizem respeito a Sião cumprem-se de modo inesperado n’Ela. Maria torna-se a arca da aliança, o lugar de uma verdadeira habitação do Senhor.
“Alegra-te , cheia de graça”. São formadas da mesma raiz. Alegria e graça andam juntas.
Maria dará à luz um filho, a quem o anjo  atribui os títulos  de “Filho do altíssimo” e “Filho de Deus” Além disso, é prometido que Deus, o Senhor, lhe dará o trono de seu pai Davi e o seu reino não terá fim. Mas “o seu reinado não terá fim”:  esse reino diverso não está construído sobre um poder mundano, mas funda-se apenas na fé e no  amor. É a grande força da esperança, no meio de um mundo que parece, com muita frequência, estar abandonado por Deus. O reinado do Filho de Davi, Jesus, não conhece fim, porque nele reina o próprio Deus, nele o Reino de Deus entra neste mundo. A promessa que Gabriel transmitiu à Virgem Maria é verdadeira; realiza-se sem  cessar.
A resposta de Maria ao anjo desenvolve-se em três etapas: A primeira reação à saudação do anjo é feita de perturbação e ponderação. A sua reação é diferente  da de Zacarias; dele é referido que ficou perturbado e “o temor apoderou-se dele” – Lc 1, 12. No caso de Maria, no início usa-se a mesma palavra – ela perturbou-se -, mas o que se segue  depois não é o temor, mas uma reflexão íntima sobre a saudação do anjo. Maria reflete – entra em diálogo consigo mesma-  sobre o que possa significar a saudação do mensageiro de Deus. 
 Assim vemos surgir já aqui um traço característico da figura da Mãe de Jesus, um traço que encontramos no Evangelho outras duas vezes em situações análogas: o confronto íntimo com a Palavra – Lc 2, 19.51.
Não se detém no primeiro sentimento que a assalta, ou seja, a perturbação pela proximidade de Deus através do seu anjo, mas procura entender. Por isso, Maria aparece como uma mulher corajosa, que conserva o autocontrole mesmo diante do inaudito. Ao mesmo tempo, é apresentada como a mulher de grande interioridade, que conjuga o coração e a mente, e procura entender o contexto, o todo da mensagem de Deus. Assim torna-se a imagem da Igreja, reflete sobre a Palavra  de Deus, procura compreendê-la na sua totalidade e guarda o dom dela na sua memória.
A segunda reação de Maria nos é enigmática. Depois da hesitação receosa com que Ela acolhe a saudação do mensageiro de Deus, o anjo lhe comunica a sua eleição para ser a mãe do Messias. Maria, agora, formula uma breve e incisiva pergunta: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” – Lc 1, 34.  Não trata-se de duvidar. Maria não levanta questões sobre o ”que”, mas sobre “como” a promessa poderia ser realizada, uma vez que isso não era perceptível para Ela: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” – Lc 1, 34. 
Essa pergunta parece incompreensível, pois Maria estava noiva e, de acordo com o direito judaico, era já considerada equivalente a uma esposa, mesmo que ainda não coabitasse com o marido e não tivesse começado a comunhão matrimonial.
A terceira reação de Maria: a resposta essencial de Maria: um simples “sim” daquela que se declara serva do Senhor. “Faça-se em mim segundo a tua palavra” – Lc 1, 38. Bernardo de Claraval, numa homilia de Advento, ilustrou de forma dramática o aspecto emocionante  desse momento. Depois do fracasso dos primeiros pais, o mundo inteiro está às escuras sob o domínio da morte. Agora Deus procura entrar de novo no mundo; bate à porta de Maria. Tem necessidade do concurso da liberdade humana: não pode redimir o homem, criado livre, sem um “sim” livre à sua vontade. 
Ao criar a liberdade, de certo modo, Deus se tornou dependente do homem; o seu poder está ligado ao “sim” não forçado  de uma pessoa humana. Ora, Bernardo afirma que, no momento do pedido de Maria ,o céu e a terra como que suspendem a respiração.  Dirá “sim”?! Ela demora... Porventura lhe será obstáculo a sua humildade? Só por esta vez – diz-lhe Bernardo – não seja humilde, mas magnânima! Dá-nos o teu “sim”! 
Esse é o momento decisivo, em que dos seus lábios , do seu coração, surge a resposta: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. É o momento da obediência livre, humilde e simultaneamente magnânima, na qual se realiza a decisão mais sublime da liberdade humana.
Maria torna-se mãe através do seu “sim”. 
Várias vezes os Padres da Igreja exprimiram tudo isso, dizendo que Maria teria concebido pelo ouvido, ou seja, através da sua escuta: através da sua obediência. 
A Palavra entrou nela, e nela se tornou fecunda. Nesse contexto, os Padres desenvolveram a ideia do nascimento de Deus em nós através da fé e do Batismo, por meio dos quais  o Logos vem a nós sem cessar, tornando-nos filhos de Deus. Pensemos, por exemplo, nas palavras de Santo Irineu: “Como poderá o homem tornar-se Deus, se Deus não se torna homem? 
Como deixarão o nascimento para a morte, se não forem regenerados em um novo nascimento, que nos foi dado, pela fé, de modo maravilhoso e inesperado por Deus , no nascimento  de uma Virgem, como sinal da salvação?”

“E  o anjo a deixou” – Lc 1, 38. A grande hora do encontro com o mensageiro de Deus, na qual toda a vida muda, passa; e Maria fica sozinha com a tarefa  que verdadeiramente supera toda a capacidade humana. Não há anjos ao seu redor; 
ela deve  prosseguir pelo seu caminho, que passará através de muitas obscuridades, a começar pelo espanto de José perante a gravidez   até o momento  em que se diz de Jesus que está “fora de si” – MC 3, 21;  Jo 10,20, antes, até a noite da Cruz.
O anjo parte, a missão permanece e, juntamente com a missão, matura a proximidade interior a Deus, o íntimo ver e tocar  a sua proximidade.”

Fonte consultada:  Bento XVI -  A infância de Jesus|Joseph  Ratzing; [ tradução Bruno Bastos Lins ]. – São Paulo: Planeta, 2012, pp29-38

PARÓQUIA SANTA EDWIGES 
BRÁS DE PINA - RJ
Pároco: Pe Givanildo Luiz Andrade
Imagens: Daniel Verdial

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