sexta-feira, 28 de novembro de 2014

CRISTO REI 2014


A celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, fecha o Ano Litúrgico. Neste período, meditamos, sobretudo, no mistério de sua vida, sua pregação e o anúncio do Reino de Deus. 

Esta festa celebra Cristo como Rei bondoso e singelo, que como pastor guia a sua Igreja peregrina para o Reino celestial e lhe outorga a comunhão com este Reino para que possa transformar o mundo no qual peregrina.
Jesus não é o Rei de um mundo de medo, mentira e pecado. Ele é o Rei do Reino de Deus ao qual nos conduz. A possibilidade de alcançar o Reino de Deus foi estabelecida por Jesus Cristo ao nos deixar o Espírito Santo, que nos concede  as graças necessárias para obter a santidade e transformar o mundo no amor.
Cristo Rei foi uma das últimas celebrações instituídas pelo Papa Pio XI, na época  em que o mundo passava pelo pós guerra de 1917, marcado pelo fascismo na Itália, pelo nazismo na Alemanha, pelo comunismo na Rússia, pelo marxismo-ateu, pela crise econômica, pelos governos  ditatoriais que solapavam toda a Europa, pela perseguição religiosa, pelo liberalismo e outros que levavam o mundo e o povo  a afastar-se de Deus, da religião e da fé, culminando com a 2ª Guerra Mundial. 
O Papa Pio XI instituiu essa festa para que todas  as coisas culminassem  na plenitude  em Cristo Senhor, simbolizado no que diz o Apocalipse :’Eu sou o Alfa e o Ômega, Princípio e Fim de todas as coisas’ – Apl 8 – Ressalta a restauração e a reparação universal realizada em Cristo Jesus, senhor da vida e da história. 
Nessa festa, celebra-se  também nossa participação no Reino de Deus, sob a condição  de aderirmos à verdade trazida por Jesus, pela qual somos caminheiros que se dirigem  à Casa do Pai, para participarmos da mesa do Reino e de assumirmos o compromisso do evangelho.
No Evangelho desta solenidade – Mt 25, 31-46, o critério para participar do Reinado do Senhor Jesus é tê-Lo servido nos irmãos: no pobre, no despido, no doente, no prisioneiro, no fraco. Manifesta-se nas coisas pequenas, nas pequenas sementes, nos pequenos gestos, no amor dado e recebido com pureza de cada dia...
Fixemos nosso olhar no trono da Cruz, Naquele que ali se encontra despido e coroado de espinhos. Aprendamos com admiração, estupor e gratidão que nossa mais gloriosa herança neste mundo é participar do seu reinado , levando a humanidade a descobrir quão diferentes aos nossos são os critérios de Deus.”

Dom Orani João Tempesta – Arcebispo do Rio de Janeiro – Voz do Pastor. Jornal Testemunho de Fé, pg 3 – 23 a 29 de novembro de 2014, edição semanal  nº 719.

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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"A MULHER FORTE E OS TALENTOS" - 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM - INVESTIDURA DE COROINHAS


Homilia de Padre Givanildo Luiz Andrade
A liturgia da Palavra começa com uma importante pergunta: “Uma mulher forte , quem a encontrará?” – Prov. 31,10s.

Depois, no decorrer da celebração, defrontamo-nos com a parábola em que Jesus vem trazendo para nós a necessidade de um homem  que viaja para o estrangeiro e entrega os seus bens, para que outros os administrem para ele – Mt 25, 14-30.
Qual a comparação que se pode ser feita entre estas  situações aparentemente antagônicas – a mulher forte e os talentos? 
Avançando na reflexão e indo adiante sobre a fortaleza que o autor sagrado faz em referência à mulher, entendemos  que a força encontrada em tal mulher advém da sua fé, do seu amor, da  confiança  encontradas no Senhor. O Senhor é a sua força; é o Senhor que a faz mais valiosas que as joias do mundo. Ela é apaixonada e apaixonante. 
O seu coração  é como um rio de águas limpas e nutrientes, que transbordam do Coração do Senhor para o seu coração. Apaixonada, também apaixona o Outro. É tão forte e intensa esta reciprocidade de bem querer que transborda para o coração do mundo, para o coração do seu marido que encontra fidelidade e alegria todos os dias de sua vida – Prov. 31,11s.
 Provérbios 31, 10-13.19-20.30-31
Quem poderá encontrar uma mulher virtuosa? O seu valor é maior que o das pérolas. Nela confia o coração do marido e jamais lhe falta coisa alguma. Ela dá-lhe bem-estar e não desventura, em todos dias da sua vida. Procura obter lã e linho e põe mãos ao trabalho alegremente. Toma a roca em suas mãos, seus dedos manejam o fuso. Abre as mãos ao pobre e estende os braços ao indigente. A graça é enganadora e vã a beleza; a mulher que teme o Senhor é que será louvada. Dai-lhe o fruto das suas mãos e suas obras a louvem às portas da cidade.
De posse das condições que vem de Deus, a mulher forte coloca em prática a causa da abundância de sua casa: “procura a lã  e linho, e com habilidade trabalham as suas mãos”. E assim, enriquecida de bens e generosidade, “abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre”.
Desse modo, entendemos a questão da parábola narrada pelo Senhor: recebemos e precisamos ser administradores dos bens que um dia, que não sabemos  a hora e o mês, mas que “virá como um ladrão, de noite” – 1 Tes. 5,2. 
1 Tessalonicenses 5, 1-6
Irmãos: Sobre o tempo e a ocasião, não precisais que vos escreva, pois vós próprios sabeis perfeitamente que o dia do Senhor vem como um ladrão noturno. E quando disserem: "Paz e segurança", é então que subitamente cairá sobre eles a ruína, como as dores da mulher que está para ser mãe, e não poderão escapar. Mas vós, irmãos, não andais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão, porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia: nós não somos da noite nem das trevas. Por isso, não durmamos como os outros, mas permaneçamos vigilantes e sóbrios.
Conscientes desta responsabilidade, pois somos “filhos da luz e filhos do dia”, é importantes estar acordados administrando os talentos a nós confiados, para que quando o Senhor  chegar, entregarmos a Ele, multiplicados quer por dez, quer por cinco, aquilo que lhe pertence, para ouvirmos D’ele: “muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” – Mt 25, 21-22.
Urge sabermos administrar tudo o que chega em nossas mãos, sob a nossa responsabilidade. Não dar para sermos um administrador passivo e preguiçoso, enterrando o que está aos nossos cuidados, como se não tivéssemos nada a ver com isso. 
Portanto, é preciso cuidar do corpo, do espírito, para melhor cuidar do(a) outro (a). Ser consciente e responsável perante a vida, perante o mundo, perante a natureza. Neste sentido, vale ressaltar o cuidado com o que produzimos e consumimos: não ter uma atitude passiva perante a vida.

A natureza está, cada vez mais exaurida em suas capacidades de atender à demanda da humanidade. Cada vez mais está sendo levada ao esgotamento. Começa a faltar água para beber, o oxigênio do meio ambiente está comprometido com o excesso de poluição. 
A Natureza apenas dar e dar de si. É preciso acordar. Ter consciência que é preciso “acordar”. Não ser parasitas dos talentos a nós confiados. Mudar os modos, os costumes no trato com a Natureza. Sentir-se um com a “Mãe terra” e procuramos cuidar dos bens naturais  que o Criador colocou aos nossos cuidados e não seus destruidores.
O Natal se aproxima. Qual é, qual será a nossa atitude perante o que é produzido e vendido? A que custo humano, a que custo dos recursos naturais o que está sendo produzido chegará ao comércio para ser consumido? Vale a pena tê-los a qualquer custo? Qual o nosso maior Bem? A nossa maior riqueza? Quem é a pessoa de Jesus Cristo para o seu Natal?

Lembre-se: Deus entrega os talentos  em suas mãos. Quer que você seja um co-operador (a)  na construção do Reino. Chama-o (a) a ser guardião (ã) dos talentos  que são de todos. Tome posse desta responsabilidade. A paz.
Evangelho - São Mateus 25, 14-30     
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: “Um homem, ao partir de viagem, chamou os seus servos e confiou-lhes os seus bens. A um entregou cinco talentos, a outro dois e a outro um, conforme a capacidade de cada qual; e depois partiu. O que tinha recebido cinco talentos fê-los render e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebera dois talentos ganhou outros dois. Mas, o que recebera um só talento foi escavar na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Muito tempo depois, chegou o senhor daqueles servos e foi ajustar contas com eles. O que recebera cinco talentos aproximou-se e apresentou outros cinco, dizendo: ‘Senhor,confiaste-me cinco talentos: aqui estão outros cinco que eu ganhei’. Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu senhor’. Aproximou-se também o que recebera dois talentos e disse: ‘Senhor, confiaste-me dois talentos: aqui estão outros dois que eu ganhei’.
 Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu senhor’. Aproximou-se também o que recebera um só talento e disse: ‘Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste. Por isso, tive medo e escondi o teu talento na terra. Aqui tens o que te pertence’. O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e recolho onde nada lancei; devias, portanto, depositar no banco o meu dinheiro e eu teria, ao voltar, recebido com juro o que era meu. Tirai-lhe então o talento e dai-o àquele que tem dez. Porque, a todo aquele que tem, dar-se-á mais e terá em abundância; mas, àquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado. Quanto ao servo inútil, lançai-o às trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger de dentes’.
A parábola dos talentos, apesar das semelhanças, não deverá ser a mesma das minas (Lc 19, 12-27), ainda que alguns pensem que sim, pois Jesus podia ter contado duas parábolas semelhantes, embora com o mesmo fim didáctico. 

Esta parábola ensina principalmente a necessidade de corresponder à graça duma maneira esforçada, exigente, constante, durante toda a vida. Temos de fazer render todos os dons da natureza e da graça, recebidos do Senhor. O importante não é o número dos talentos recebidos, mas sim a generosidade em os fazer frutificar.



PARÓQUIA SANTA EDWIGES
BRÁS DE PINA - RJ
Pároco: Pe Givanildo Luiz Andrade
Imagens: Daniel Verdial

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terça-feira, 11 de novembro de 2014

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM - DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO – FESTA

A BASÍLICA DE SÃO JOÃO DE LATRÃO, CUJA “DEDICAÇÃO” OU CONSAGRAÇÃO ACONTECEU NO ANO DE 320, É A CATEDRAL DO PAPA, ENQUANTO BISPO DE ROMA. ELA É A “MÃE DE TODAS AS IGREJAS”, O SÍMBOLO DAS IGREJAS DE TODO O MUNDO, UNIDAS À VOLTA DO SUCESSOR DE PEDRO. 

A Festa da Dedicação da Basílica de Latrão convida-nos a tomar consciência de que a Igreja de Deus (que a Basílica de Latrão simboliza e representa) é hoje, no meio do mundo, a “morada de Deus”, o testemunho vivo da presença de Deus na caminhada histórica dos homens.
Na primeira leitura, o profeta Ezequiel, dirigindo-se ao Povo de Deus exilado na Babilônia, anuncia a chegada de um tempo de salvação e de graça, em que Deus vai estabelecer a sua morada no meio dos homens e vai derramar sobre a humanidade sofredora vida em abundância.

No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o Novo Templo, o “lugar” onde Deus reside no mundo e onde os homens podem fazer a experiência do encontro com Deus. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor e a sua vida. Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação entre Deus e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz.
Na segunda leitura, Paulo recorda aos cristãos de Corinto (e aos cristãos de todos os tempos e lugares) que são, no mundo, o Templo de Deus onde reside o Espírito. Animados pelo Espírito, os cristãos são chamados a viver numa dinâmica nova, seguindo Jesus no caminho do amor, da partilha, do serviço, da obediência a Deus e da entrega aos irmãos; vivendo dessa forma, eles tornam Deus presente e atuante no meio da cidade dos homens.

(Jo 2,13-22) - "Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” 
Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá.” Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” Ele respondeu: “Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei.” Os judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?” Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele".

O culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém era, antes de mais, algo sem sentido: ao transformar a casa de Deus num mercado, os líderes judaicos tinham suprimido a presença de Deus… Mas, além disso, o culto celebrado no Templo era algo de nefasto: em nome de Deus, esse culto criava exploração, miséria, injustiça e, por isso, em lugar de potencializar a relação do homem com Deus, afastava o homem de Deus. Jesus, o Filho, com a autoridade que Lhe vem do Pai, diz um claro “basta” a uma mentira com a qual Deus não pode continuar a pactuar: “Não façais da casa de meu Pai casa de comércio” 
A resposta de Jesus é, à primeira vista, estranha: “Destruí este Templo e Eu o reconstruirei em três dias”. Recorrendo à figura literária do “mal-entendido”, João deixa claro que Jesus não Se referia ao Templo de pedra onde Israel celebrava os seus ritos litúrgicos, mas a um outro “Templo” que é o próprio Jesus (“Jesus, porém, falava do Templo do seu corpo” – vers. 21). O que é que isto significa? Jesus desafia os líderes que O questionaram, a suprimir o Templo que é Ele próprio; mas deixa claro que, três dias depois, esse Templo estará outra vez erigido no meio dos homens. Jesus alude, evidentemente, à sua ressurreição. A prova de que Jesus tem autoridade para “proceder deste modo” é que os líderes não conseguirão suprimi-lo. A ressurreição garante que Jesus vem de Deus e que a sua atuação tem o selo de garantia de Deus.
No entanto, o mais notável, aqui, é que Jesus Se apresenta como o “novo Templo”. O Templo representava, no universo religioso judaico, a residência de Deus, o lugar onde Deus Se revelava e onde Se tornava presente no meio do seu Povo. Jesus é, agora, o lugar onde Deus reside, onde Se encontra com os homens e onde Se manifesta ao mundo. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor e a sua vida. Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação entre Deus e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz.

Na oração do Prefácio a Igreja canta: 
“Vós quisestes habitar esta casa de oração para nos tornarmos, pelo auxílio da vossa graça, o templo do Espírito Santo, irradiando o brilho de uma vida santa. Assim, santificando-a sem cessar, conduzis para a vossa glória a Igreja, Esposa de Cristo e mãe exultante de inúmeros filhos, simbolizada pelos templos visíveis.”
 (1Cor 3, 16-17)
A Igreja deve ser o sinal do amor mútuo entre aqueles que partem o mesmo pão. Para quem não crê ainda, este deveria ser o “chamado” mais forte para entrar na Igreja.

PARÓQUIA SANTA EDWIGES
BRÁS DE PINA - RJ
Pároco Pe Givanildo Luiz Andrade
Imagens Gabriel Stilpen 

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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

“NÃO SE PERTURBE O VOSSO CORAÇÃO!” – DIZ-NOS JESUS – 31º DOMINGO DO TEMPO COMUM - FINADOS

“NA MORTE SOMOS FORÇADOS A DEIXAR-NOS CAIR RADICALMENTE NAS MÃO DE DEUS. EXERCITAMOS ESSE ATO DE LIBERTAÇÃO DURANTE TODA A VIDA. AQUILO QUE ACONTECE NA MORTE SEMPRE JÁ ESTÁ PRESENTE NA NOSSA VIDA, ENTÃO O HOMEM DE FATO JÁ ESTÁ NA MORTE A PARTIR DO MOMENTO EM QUE COMEÇOU A EXISTIR NESTE CORPO”.

A nossa vida inteira consiste de momentos em que precisamos abrir mão de algo. Algo novo só pode crescer quando abrimos mão de algo velho, nascimento e morte estão interligados. O novo só pode nascer quando algo velho morre, a criança só nasce quando a mãe libera. 
Ela só pode amadurecer se ela estiver disposta a abrir mão da sua infância. Ela só pode se tornar uma pessoa adulta se abrir mão da juventude. A nossa vida inteira nos desafia a abrir mão das nossas conquistas, dos nossos bens, da nossa saúde, da segurança e do papel que assumimos na vida. Os pais precisam libertar os filhos. A vida só se desenvolve na dialética entre aceitação e entrega. 
Precisamos aceitar aquilo que nos é dado. Precisamos aceitar-nos a nós mesmos, com nossa biografia e nosso caráter, e precisamos abrir mão de nós mesmos. Essa é a tarefa mais difícil. Pois é a nós mesmos que nos agarramos com maior força. O propósito dessa entrega é o renascimento. A morte é a conclusão desse processo de entrega e é, ao mesmo tempo, o renascimento de algo.
Na morte, Jesus procura refúgio no Pai: “Em ti, Senhor, me refugio: que eu jamais seja decepcionado! Livra-me por tua justiça” – Sl 31,2.
Ele sabe que Deus é a rocha em que pode confiar e que o livrará de sua aflição. Morrendo, mas cheio de confiança, Ele entrega seu espírito nas mãos do Pai – v.6. Em meio à sua agonia, porém, Jesus também sabe: “Mas eu confio em ti, Senhor. Afirmo que só Tu és o meu Deus. Meu destino está em tuas mãos” – vv15 e 16. 

E ele confia que Deus fará brilhar sua face sobre Ele na hora da sua morte – v 17. E que  Ele aprovará a bondade do Pai para com Ele. Nossa morte também será a combinação destas duas coisas; de um lado, o medo, a solidão, a incompreensão, o conflito entre o apego e a entrega; de outro, porém, a confiança e a certeza da proximidade reconfortante de Deus.
Em nossa morte também relutaremos  em abrir mão de nós mesmos e da nossa vida para entregarmo-nos nas mãos de Deus e confiarmos-nos ao seu amor.

Na morte todo ser humano encontrará Deus em si mesmo em sua verdade plena. E ele verá a face humana de Deus em Jesus Cristo. Na morte vivenciarão como o véu é retirado e reconhecerão o verdadeiro mistério, o mistério do Deus trino e a imagem de Jesus Cristo. 
Assim também toda pessoa reconhecerá a face de Jesus Cristo que, já nesta vida, veio a conhecer em seus irmãos -  Mt 25, 31s. Ele  reconhecerá em Cristo a razão de todo o seu ser, mesmo se nunca tiver ouvido falar dele. E nesse encontro com Deus se decidirá seu futuro eterno. 

Sempre apareceremos diante de Deus como servos inúteis de mãos vazias. Basta que estendamos essa mãos vazias para Deus, e Ele as encherá. Mas precisamos nos exercitar na entrega a Deus já na vida para que consigamos fazê-lo também na morte.
A morte é a ousadia da fé de entregar-se cada vez mais às mãos amorosas de Deus. E ela me desafia aqui e agora a buscar o meu fundamento em Deus, não no sucesso, não no reconhecimento, mas no amor de Deus que me sustenta.

 Para mim, a morte é o convite a viver cada momento de forma intensa e consciente, de começar a tecer a eternidade aqui no tempo, a desprender-me de mim mesmo para me entregar completamente ao Deus presente.
A morte é para mim expressão da esperança de que Deus a razão da minha existência aqui nessa vida e após ela, garantindo-me que não cairei num vazio, mas que os braços do ser verdadeiro me segurarão, que poderei esquecer-me na contemplação de Deus e, esquecendo-me de mim mesmo, poderei ser completamente aquele que Deus imaginou em sua eternidade. 
E então, verei e desfrutarei de tudo aquilo que procurei toda a minha vida”.

Cf.:  Grün, Anselm
Morte: a experiência da vida em plenitude, tradução de Markus A. Hediger – Petrópolis, RJ Vozes, 2014, pp9-113

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