Surpreende que um fato tão maravilhoso, tenha tido aparentemente tão
pouca repercussão. A ressurreição de Cristo que vence a morte após os
ultrajes lancinantes da Cruz, após a Via Crucis e o julgamento ignominioso
realizado publicamente sobre os clamores de “seja crucificado!”, parece
desaparecer num pequeno grupo que testemunha o acontecimento central da
história humana: a vitória definitiva da vida sobre a morte.
No entanto, em
Belém já se verificara o mesmo, no nascimento do Deus feito homem na cidade do
grande rei Davi, e presenciado pelos simples pastores entre o boi e o burro do
Presépio. Deus é humilde, não lhe agrada o espetáculo nem procura plateia para
se exibir.
É assim que encontramos Jesus no caminho com os dois discípulos
desiludidos rumo a Emaús. Certamente não podiam acreditar nas santas mulheres e
no túmulo vazio.
Um fato como este deveria atrair a atenção de todos, quem sabe
um terremoto que abalasse os fundamentos do Templo ou raios que fulminassem as
casas de Anás e Caifás... Mas a vida seguia seu curso e para a imensa maioria
dos moradores e peregrinos de Jerusalém o nome de Jesus agora já era coisa do
passado. Sem que se dessem conta, o Senhor caminha com eles, escuta os
desabafos daqueles homens que abrem seus corações a um desconhecido.
De modo
firme e gentil, o desconhecido abre-lhes a mente com as palavras da Escritura,
aquece seus corações com o fogo do Amor de Deus e eles não conseguem mais ficar
sozinhos: “fica conosco, Senhor, pois já é tarde”... Palavras que lembram
séculos depois as que serão derramadas do coração de Agostinho: “inquieto está
o coração enquanto não repousa em Ti”.
A nós que caminhamos nas estradas da
vida, tantas vezes marcadas pelo cansaço do caminho, pelas decepções que a vida
nos surpreende e desafios cotidianos, fica para nós a imagem destes retirantes,
ícone vivo de quem, ao longo da existência, se afasta de Deus e da prática da
fé.
Longe da vida em comunidade de fé, é sempre noite, o dia sempre declina
para quem se afasta de Deus. Que a Páscoa seja uma realidade em nossas vidas,
que os que cruzam nossos caminhos no dia a dia possam sentir o desejo de Deus,
a saudade do céu, o reconhecimento de suas faltas e a alegria de quem encontra
em Deus seu companheiro de viagem. Fiquem para nós as palavras de Dostoiévski
na célebre obra “Os irmãos Karamazov: “o paraíso começa somente no momento em
que se tem coragem de reconhecer o próprio pecado”.
Folheto 'A Missa'
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