quinta-feira, 6 de novembro de 2014

“NÃO SE PERTURBE O VOSSO CORAÇÃO!” – DIZ-NOS JESUS – 31º DOMINGO DO TEMPO COMUM - FINADOS

“NA MORTE SOMOS FORÇADOS A DEIXAR-NOS CAIR RADICALMENTE NAS MÃO DE DEUS. EXERCITAMOS ESSE ATO DE LIBERTAÇÃO DURANTE TODA A VIDA. AQUILO QUE ACONTECE NA MORTE SEMPRE JÁ ESTÁ PRESENTE NA NOSSA VIDA, ENTÃO O HOMEM DE FATO JÁ ESTÁ NA MORTE A PARTIR DO MOMENTO EM QUE COMEÇOU A EXISTIR NESTE CORPO”.

A nossa vida inteira consiste de momentos em que precisamos abrir mão de algo. Algo novo só pode crescer quando abrimos mão de algo velho, nascimento e morte estão interligados. O novo só pode nascer quando algo velho morre, a criança só nasce quando a mãe libera. 
Ela só pode amadurecer se ela estiver disposta a abrir mão da sua infância. Ela só pode se tornar uma pessoa adulta se abrir mão da juventude. A nossa vida inteira nos desafia a abrir mão das nossas conquistas, dos nossos bens, da nossa saúde, da segurança e do papel que assumimos na vida. Os pais precisam libertar os filhos. A vida só se desenvolve na dialética entre aceitação e entrega. 
Precisamos aceitar aquilo que nos é dado. Precisamos aceitar-nos a nós mesmos, com nossa biografia e nosso caráter, e precisamos abrir mão de nós mesmos. Essa é a tarefa mais difícil. Pois é a nós mesmos que nos agarramos com maior força. O propósito dessa entrega é o renascimento. A morte é a conclusão desse processo de entrega e é, ao mesmo tempo, o renascimento de algo.
Na morte, Jesus procura refúgio no Pai: “Em ti, Senhor, me refugio: que eu jamais seja decepcionado! Livra-me por tua justiça” – Sl 31,2.
Ele sabe que Deus é a rocha em que pode confiar e que o livrará de sua aflição. Morrendo, mas cheio de confiança, Ele entrega seu espírito nas mãos do Pai – v.6. Em meio à sua agonia, porém, Jesus também sabe: “Mas eu confio em ti, Senhor. Afirmo que só Tu és o meu Deus. Meu destino está em tuas mãos” – vv15 e 16. 

E ele confia que Deus fará brilhar sua face sobre Ele na hora da sua morte – v 17. E que  Ele aprovará a bondade do Pai para com Ele. Nossa morte também será a combinação destas duas coisas; de um lado, o medo, a solidão, a incompreensão, o conflito entre o apego e a entrega; de outro, porém, a confiança e a certeza da proximidade reconfortante de Deus.
Em nossa morte também relutaremos  em abrir mão de nós mesmos e da nossa vida para entregarmo-nos nas mãos de Deus e confiarmos-nos ao seu amor.

Na morte todo ser humano encontrará Deus em si mesmo em sua verdade plena. E ele verá a face humana de Deus em Jesus Cristo. Na morte vivenciarão como o véu é retirado e reconhecerão o verdadeiro mistério, o mistério do Deus trino e a imagem de Jesus Cristo. 
Assim também toda pessoa reconhecerá a face de Jesus Cristo que, já nesta vida, veio a conhecer em seus irmãos -  Mt 25, 31s. Ele  reconhecerá em Cristo a razão de todo o seu ser, mesmo se nunca tiver ouvido falar dele. E nesse encontro com Deus se decidirá seu futuro eterno. 

Sempre apareceremos diante de Deus como servos inúteis de mãos vazias. Basta que estendamos essa mãos vazias para Deus, e Ele as encherá. Mas precisamos nos exercitar na entrega a Deus já na vida para que consigamos fazê-lo também na morte.
A morte é a ousadia da fé de entregar-se cada vez mais às mãos amorosas de Deus. E ela me desafia aqui e agora a buscar o meu fundamento em Deus, não no sucesso, não no reconhecimento, mas no amor de Deus que me sustenta.

 Para mim, a morte é o convite a viver cada momento de forma intensa e consciente, de começar a tecer a eternidade aqui no tempo, a desprender-me de mim mesmo para me entregar completamente ao Deus presente.
A morte é para mim expressão da esperança de que Deus a razão da minha existência aqui nessa vida e após ela, garantindo-me que não cairei num vazio, mas que os braços do ser verdadeiro me segurarão, que poderei esquecer-me na contemplação de Deus e, esquecendo-me de mim mesmo, poderei ser completamente aquele que Deus imaginou em sua eternidade. 
E então, verei e desfrutarei de tudo aquilo que procurei toda a minha vida”.

Cf.:  Grün, Anselm
Morte: a experiência da vida em plenitude, tradução de Markus A. Hediger – Petrópolis, RJ Vozes, 2014, pp9-113

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